Aline Brionisio Lemos Pesquisadora Científica ̶ Cetea
Toda embalagem, equipamento ou artigo destinado ao contato direto com alimentos e bebidas que será comercializado no Brasil deve cumprir com os regulamentos publicados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mesmo que o produto seja importado. Ou seja, declarações de conformidade e relatórios baseados em regulamentos internacionais como FDA (Food and Drug Administration) ou recomendações/regulamentos europeus não são válidos.
A legislação da Anvisa sobre materiais para contato com alimentos é harmonizada no âmbito do MERCOSUL que, por sua vez, publica os Regulamentos Técnicos GMC (Grupo Mercado Comum). E, no Brasil, a Anvisa é o órgão responsável por internalizar e publicar os regulamentos técnicos.
No Brasil, as embalagens são dispensadas de registro (com exceção das embalagens de PET‐PCR) conforme previsto pelas Resoluções n. 23, de 15/03/2000 e RDC n. 27, de 06/08/2010. O Brasil é o único país do Mercosul que não realiza o registro das embalagens.
Para embalagens, equipamentos e artigos plásticos as seguintes resoluções devem ser atendidas:
- Resolução n. 105, de 19/05/1999.
- Resolução RDC n. 17, de 17/03/2008/Regulamento Técnico MERCOSUL GMC N. 39/2019. Resolução RDC n. 51, de 26/10/2010.
- Resolução RDC n. 56, de 16/11/2012.
- Resolução RDC n. 20, de 26/03/2008 (quando se utiliza o PET‐PCR grau alimentício – Politereftalato de etileno pós‐consumo reciclado grau alimentício).
- Resolução RDC n. 52, de 26/10/2010 (quando se utiliza materiais pigmentados).
Alguns dos exemplos de produtos que devem ser avaliados de acordo com os regulamentos mencionados anteriormente são: embalagens, recipientes, máquinas, correias transportadoras, tubulações, aparelhagens, acessórios, válvulas, utensílios e similares, revestimentos poliméricos, ou seja, qualquer item plástico ou polimérico que seja destinado ao contato direto com alimentos e bebidas. Para facilitar o entendimento, os termos “artigo” e “material plástico” serão utilizados para representar todos esses itens. As resoluções da Anvisa sobre materiais plásticos têm como base os conceitos do Regulamento Europeu n. 10/2011 que envolve: adequação da formulação dos materiais frente à lista positiva e ensaios de migração específica e total.
Listas positivas para materiais plásticos
De acordo com a definição da Resolução RDC n. 91, de 11/05/2001 (correspondente ao Regulamento Técnico MERCOSUL GMC N. 03/92) que apresenta os critérios gerais para embalagens e equipamentos para contato com alimentos, listas positivas são relações taxativas de substâncias que provaram ser fisiologicamente inócuas em ensaios com animais e cujo uso está autorizado para a fabricação de materiais em contato com alimentos. Ou seja, são relações de substâncias químicas que têm seu uso permitido na composição de um material ou artigo destinado ao contato direto com alimentos.
E, muitas vezes, as substâncias listadas apresentam restrições de uso e limites que devem ser cumpridos. Isto é, quando se faz uma avaliação de formulação frente às listas positivas, é possível levantar as substâncias que apresentam limites de migração específica (LME) e, consequentemente, os ensaios que devem ser realizados no artigo acabado.
Geralmente, a etapa de avaliação de formulação frente às listas positivas deve ser realizada pelos fabricantes dos insumos (por exemplo: resinas, masterbatches, revestimentos e outros). O resultado dessa avaliação é uma declaração ou documento que afirme que a formulação está em conformidade com as listas positivas e que indique quais serão os ensaios a serem realizados no artigo final.
As Resoluções RDC n. 17/2008 e n. 56/2012 correspondem aos Regulamentos Técnicos MERCOSUL GMC 32/07 e 02/12, respectivamente. A RDC 17/2008 apresenta a lista positiva de aditivos que podem ser usados na fabricação de materiais plásticos e a RDC 56/2012 apresenta a lista positiva de monômeros, substâncias iniciadoras e polímeros.
O Regulamento Técnico MERCOSUL GMC N. 39/2019 foi publicado em agosto de 2019 e revogou o Regulamento Técnico MERCOSUL GMC N. 32/07 (correspondente à Resolução RDC n. 17/2008). Os países membros do MERCOSUL terão até 15 de janeiro de 2020 para internalizar este regulamento, ou seja, no Brasil a Resolução RDC n. 17/2008 será revogada.
Ensaios de migração
Os ensaios de migração específica e total são feitos de acordo com as diretrizes da Resolução RDC n. 51/2010 (que corresponde ao Regulamento Técnico MERCOSUL GMC 32/10). Esta resolução apresenta a classificação de alimentos e atribuição de simulantes. Simulante é um produto que imita o comportamento de um grupo de alimentos que tem características semelhantes.
Portanto, os ensaios não são feitos diretamente com os alimentos, por serem matrizes mais complexas e assim são utilizados os simulantes que representam as diferentes classes de alimentos. Por exemplo, o simulante A que é água destilada ou desionizada representa os alimentos aquosos não ácidos com pH > 4,5.
Esse regulamento também apresenta tabelas com temperaturas e tempos de contato que serão utilizadas para definir as condições dos ensaios. As metodologias utilizadas são as descritas nas normas EN Séries 1186 e 13130.
O resultado do ensaio de migração específica de uma determinada substância é comparado com o limite desta substância descrito nas Resoluções RDC n. 17/2008 ou n. 56/2012. E o resultado de migração total é comparado com o limite descrito na Resolução n. 105/1999 (correspondente ao Regulamento Técnico MERCOSUL GMC 56/92), que é de 50 mg/kg ou 8 mg/dm2.
Materiais pigmentados
Quando os artigos são pigmentados é necessário seguir os requisitos descritos na Resolução RDC n.
52/2010 (correspondente ao Regulamento Técnico MERCOSUL GMC 15/10). Os ensaios são parecidos (mas não iguais) com os da Resolução AP 89.
A RDC n. 52/2010 apresenta os critérios de pureza com relação aos contaminantes inorgânicos e aminas aromáticas que devem ser avaliados no pigmento (e não no masterbatch). O fabricante do pigmento deve providenciar esses ensaios e confirmar se os resultados estão abaixo dos limites definidos nesta resolução.
Além disso, a RDC 52/2010 exige que os artigos pigmentados sejam avaliados com relação à migração específica dos contaminantes inorgânicos antimônio, arsênio, bário, boro, cádmio, zinco, cobre, cromo, estanho, flúor, mercúrio, prata e chumbo, utilizando somente o simulante solução de ácido acético 3%.
PET‐PCR
De acordo com a RDC n. 20/2008, o PET pós‐consumo reciclado descontaminado de grau alimentício é obtido por meio de uma tecnologia de reciclagem física e/ou química com alta eficiência de descontaminação, que tenha sido demonstrada através de um procedimento de validação normalizado (challenge test ou equivalente), e por isso, conta com autorizações especiais de uso, validadas pela Anvisa.
A Resolução RDC n. 20/2008 estabelece as exigências e regras para o uso desse tipo de material. Também existe o Informe Técnico n. 71, de 11/02/2016 que fornece explicações adicionais sobre a aplicação da Resolução RDC n. 20/2008 e o uso do PET‐PCR para fabricação de artigos destinados ao contato direto com alimentos. Além disso, as resinas e artigos fabricados com estas deverão ser registrados pela Anvisa.
Vale reforçar que, conforme descrito na Resolução n. 105/1999, é proibida a utilização de materiais plásticos procedentes de embalagens, fragmentos de objetos, plásticos reciclados ou já utilizados, devendo ser usado material virgem de primeiro uso.
Entretanto, essa proibição não se aplica para o material reprocessado no mesmo processo de transformação que o originou (scrap) de parte de materiais plásticos não contaminados nem degradados.
Tintas de impressão
O MERCOSUL e a Anvisa não possuem um regulamento específico para tintas de impressão. No entanto, a Resolução RDC n. 91/2001 estabelece que as embalagens e artigos não devem representar um risco para a saúde humana, não ocasionar mudanças inaceitáveis na composição dos alimentos ou nas suas características sensoriais. Ou seja, de alguma forma a segurança das tintas de impressão deve ser garantida para que esta não seja fonte de contaminação para o alimento.
Principais alterações com a internalização do Regulamento Técnico MERCOSUL GMC N. 39/2019
A primeira mudança a ser notada nesta resolução é justamente o seu título, que agora passa a incorporar, além dos materiais plásticos, os revestimentos poliméricos, ficando “Regulamento Técnico MERCOSUL sobre a lista positiva de aditivos para elaboração de materiais plásticos e revestimentos poliméricos destinados a entrar em contato com alimentos”.
Além de incluir e excluir substâncias e alterar limites e restrições, o novo regulamento oficializa o uso de cálculos e modelos matemáticos também para comprovar o atendimento aos limites de migração específica.
Também é possível usar solventes que, porventura, não estejam citados na lista positiva desde que tenham um ponto de ebulição menor que 150°C, sempre que não sejam substâncias mutagênicas, carcinogênicas ou tóxicas para a reprodução e que não produzam uma migração superior a 0,01 mg/kg.
Quando sais de alumínio, bário, cobalto, cobre, ferro, lítio, manganês, níquel e zinco dos ácidos, fenóis ou álcoois fizerem parte da composição do material, será necessário realizar o ensaio de migração específica para atender aos limites de migração específica definidos neste regulamento.
Os materiais plásticos ou revestimentos poliméricos coloridos, com impressão ou com adesivos poliuretânicos deverão ser avaliados com relação à migração específica de aminas aromáticas, sendo o limite de detecção de 0,01 mg/kg de simulante.
E, finalmente, é permitido o uso de fator de correção de gordura (FCG) para substâncias lipofílicas usadas na fabricação do material que será destinado a conter alimentos cujo teor de gordura seja igual ou superior a 20%, desde que atendidas as regras definidas no regulamento em questão.
De modo geral, muitos conceitos adotados pelo Regulamento Europeu n. 10/2011 foram incorporados pelo Regulamento Técnico MERCOSUL GMC N. 39/2019.
REFERÊNCIAS
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